5 tratamentos psiquiátricos bizarros que caíram em desuso

Matéria da revista Super Interessante mostra  tratamentos psiquiátricos que caíram em desuso. 

Até que se entendessem as doenças mentais, muita coisa absurda já foi feita para dar um jeito nos loucos. De choque térmico por infecção pelo protozoário da malária (!) a perfurações no crânio (ambos tendo rendido o Prêmio Nobel a seus criadores!), listamos 5 “tratamentos” bizarros já usados para curar males psiquiátricos.

1 - Infecção po malária
2 - Terapia por choque insulínico
3 - Trepanação
4 - Lobotomia
5 - Mesmerismo



1- Infecção por malária
 
 
Estamos nos anos 30 e a sífilis, incurável nessa época, é a maior causa de demência no mundo. Ninguém sabe o que fazer com tanta gente paranóica, violenta e incontrolável nos manicômios. Mas aí o médico austríaco Julius Wagner von Jauregg observou que, quando essas pessoas contraíam alguma doença que provocasse episódios de febre alta e convulsão, a loucura ia embora. O que o doutor Julius fez, então? É. Ele colocou o sangue contaminado de um soldado com malária em nove pacientes com paresia crônica, a demência que ocorre em um estágio avançado da sífilis, para que elas contraíssem febre alta e tivessem convulsões. O resultado foi impressionante e até lhe rendeu um Premio Nobel em 1927: ele conseguiu recuperação completa em quatro desses pacientes e uma melhora em mais dois. “Parece absurdo dar o Prêmio Nobel a alguém que infectava os pacientes com a malária, mas o desespero na época era muito grande”, diz Renato Sabbatini, neurocientista da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Esse tratamento, obviamente, era muito perigoso (você melhorava da loucura, mas ganhava a malária de presente) e deixou de ser usado nos anos 60, com a descoberta de antibióticos e medicamentos próprios para problemas mentais.

2 - Terapia por choque insulínico
 
 
Em 1927, o neurologista e psiquiatra polonês Manfred Sakel pesou a mão na dose de insulina que aplicou em uma paciente diabética (que era, dizem, uma cantora lírica famosa na época) e ela entrou em coma. Mas o que poderia ter sido um desastre virou uma bela descoberta: a mulher tinha psicose maníaco-depressiva e obteve uma notável recuperação de suas faculdades mentais. Então Sakel descobriu que o tratamento era eficaz para pacientes com vários tipos de psicoses, particularmente a esquizofrenia. “Esta foi uma das mais importantes contribuições jamais feitas pela psiquiatria”, diz Sabbatini. A técnica passou a ser usada em todo o mundo, mas o entusiasmo inicial diminuiu depois que estudos mostraram que a melhora era, na maioria das vezes, temporária. Sem contar, é claro, que era extremamente perigoso. Assim, esse tratamento também caiu em desuso após a descoberta de medicamentos mais adequados.
 
3- Trepanação
 
 
Achados arqueológicos mostram que a trepanação, cirurgia em que era aberto um buraco (geralmente de 2,5cm a 3,5 cm de diâmetro) no crânio das pessoas, já era feita em várias partes do mundo 40 mil anos atrás. A cirurgia era realizada em rituais religiosos para liberar a pessoa de demônios e espíritos ruins – quando, na verdade, ela era vítima de doenças mentais. Até hoje é realizada por algumas tribos da África e da Oceania para fins rituais e em alguns centros modernos de neurologia para aliviar a pressão intracraniana em caso de fortes pancadas na cabeça, por exemplo. Mas não só. “Se esse procedimento for feito por algum outro motivo, isso é bizarro e perigoso”, afirma Sabbatini. Mas existem organizações hoje que defendem essa técnica “como forma de facilitar o movimento do sangue pelo cérebro e melhorar as funções cerebrais que são mais importantes do que nunca para se adaptar a um mundo em cada vez mais rápida evolução”. Isso é o que diz o site de um grupo internacional em defesa da trepanação, que defende que qualquer pessoa que deseje melhorar suas funções mentais e sua qualidade de vida deve poder realizar o procedimento.
 
4 - Lobotomia
 
 
A trepanação deu origem a outro procedimento macabro: a lobotomia, incisão pequena para separar o feixe de fibras do lobo pré-frontal do resto do cérebro. Como isso provoca o desligamento na parte das emoções, pessoas agitadas se acalmavam como se tivessem tomado tranquilizantes. Essa técnica, criada pelo neurologista português Antônio Egas Moniz, foi realizada pela primeira vez em 1935 e também lhe rendeu um Nobel, em 1949. Os resultados foram tão bons, que a lobotomia começou a ser usada em vários países como uma tentativa de reduzir psicose e depressão severa ou comportamento violento em pacientes que não podiam ser tratados com qualquer outro meio (na ocasião, não havia muitos). O problema é que a técnica, que deveria ser o último recurso, passou a ser usada maciçamente nos manicômios para controlar comportamentos indesejáveis – inclusive em crianças agitadas e adolescentes rebeldes. Entre os anos de 1945 e 1956, mais de 50,000 pessoas foram sujeitas a lobotomia no mundo inteiro. E os efeitos colaterais eram horríveis: a pessoa virava um vegetal – sem emoções, apáticas para tudo. Com o aparecimento de drogas efetivas contra ansiedade, depressão e psicoses, nos anos 50, e com a evidência de seu abuso difundido e efeitos colaterais, a lobotomia foi abandonada.

5 - Mesmerismo


 O médico austríaco Franz Anton Mesmer acreditava ser possível aliviar sintomas clínicos e psicológicos passando imãs sobre o corpo de seus pacientes – procedimento conhecido como mesmerismo. “Mesmer acreditava que os fluidos do corpo eram magnetizados e que muitas doenças físicas e mentais eram causadas pelo desalinhamento desses fluidos. Ele também achava que era possível obter os mesmos resultados sem os imãs, passando apenas as mãos sobre o corpo do paciente”, explica o professor de psicologia Renato Sampaio Lima, da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Ahhh, o poder da sugestão. Era tudo picaretagem. Ou efeito placebo, para ser mais exato. Esta arte de cura disseminou-se entre outros praticantes no século XVIII e chegou aos Estados Unidos no início do século XIX. Mesmer foi expulso de vários países e cidades porque não conseguiu provar a eficiência do seu método, mas ganhava uma grana dos crédulos. “Em todos os lugares em que ele foi, a comunidade médica o repudiou. Ele pegava madames com doenças psicossomáticas leves, fáceis de tratar com placebo, e baseava o seu prestigio nesse efeito”, completa Sabbatini. O suposto sucesso não dependia das técnicas usadas, mas no seu poder de persuasão. Após muitas críticas, a prática do mesmerismo caiu em desuso no início do século XX.

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SAÚDE MENTAL: A DESINSTITUCIONALIZAÇÃO PSIQUIÁTRICA E O ENCARGO SOBRE AS FAMÍLIAS


 É de conhecimento de todos que a área de Saúde Mental experimentou ao longo dos anos 80, e mais particularmente na entrada da década de 90, transformações substanciais com o avanço do movimento pela Reforma Psiquiátrica. Não apenas as discussões sobre o reconhecimento da cidadania do louco lograram aparição pública, deixando de ser um tema de interesse circunscrito a profissionais progressistas da área para envolver usuários, familiares dos serviços psiquiátricos e a população em geral, como também a implantação de programas e serviços de portas abertas (tais como CAPS, NAPS, hospitais-dias, enfermarias de curta internação) mostraram ser possível um outro tipo de intervenção sobre a loucura que não fosse estigmatizante, cronificante e, sobretudo, que não reafirmasse a exclusão social dos loucos.
  

É neste contexto que a família passa a ser um elemento privilegiado das políticas institucionais de atendimento na saúde mental, o que não significa dizer que a prática psiquiátrica de outrora desconsiderasse a família. No entanto, não podemos esquecer que o tratamento asilar tinha por objetivo excluir do convívio social aquelas pessoas que eram potencialmente uma ameaça para si, para a família e para toda sociedade. Na medida em que o asilamento do louco passa a sofrer duras denúncias e críticas, na medida em que a internação ad eterno da loucura passa a ser desprivilegiada, é que a reinserção social e a reinserção familiar do paciente psiquiátrico tornam-se objetivos primordiais das instituições e serviços psiquiátricos.

No entanto, é necessário que consideremos o contexto mais amplo em que a Reforma Psiquiátrica avança no país, contexto de ofensiva neoliberal, de redução de serviços, e, particularmente na área de Saúde Mental, de redução de leitos psiquiátricos em um número superior à criação de serviços psiquiátricos comunitários alternativos ao asilamento. Podemos acrescentar a isso um outro dado: o baixo potencial de cobertura assistencial da maioria dos serviços alternativos à internação, em especial os hospitais-dia, ainda restritos a atenção a uma clientela de nosologia mais leve e de prognóstico mais favorável. Tais fatos nos levam a crer que, em nosso país, a responsabilidade diária de cuidado com os pacientes crônicos tem sido em grande parte creditada às famílias.

A família tem ressurgido neste final do século como um tema altamente privilegiado para intervenção do Serviço Social. Acreditamos que a reemergência desse fenômeno não esteja ocorrendo por acaso. São muitas as instituições, programas e serviços que têm buscado privilegiar em suas ações a reinserção familiar. Mas qual o desafio que hoje este tema traz para o Serviço Social? Em primeiro lugar, pensar a intervenção profissional com a família na atualidade não deve ser sinônimo para ressurreição do Serviço Social Tradicional. Isso não é uma exigência apenas dos avanços obtidos pela profissão nestas duas últimas décadas. É importante que entendamos que o próprio "progressismo" de muitas áreas onde o Serviço Social está inserido exige também da categoria o rompimento com o conservadorismo e com a intervenção adaptativa e tutelar. Exemplo claro disso é a saúde mental, que avançou de uma cultura segregacionista e cronificadora para luta pelo reconhecimento da cidadania do louco. Portanto, não cabe hoje tratar a temática da família naquela perspectiva tradicionalista de adestramento a um estilo de vida condizente com o modo de produção burguês.

E de que maneira podemos, então, abordar a família sem que abortemos os avanços teórico-metodológicos e ético-políticos conquistados pela profissão nos anos 90, posto que estes avanços nos exigem que tratemos a questão da família no quadro sociohistórico mais amplo?

Este quadro mais amplo não apenas atinge as condições e relações de trabalho do assistente social, mas também atinge as condições de vida da população usuária dos serviços sociais. Sendo assim, devemos considerar que a família não está imune às profundas modificações que assolam a sociedade capitalista na contemporaneidade. Ela é diretamente afetada pelo quadro sociohistórico mais amplo. De acordo com SALES (1997), as mudanças do mundo do trabalho - o desemprego estrutural, a precarização do trabalho que transformam um contingente cada vez maior de mulheres em "chefes de família" - atingem diretamente uma das tarefas básicas cumpridas historicamente pela família: a reprodução material e espiritual dos indivíduos.

Somada a estas alterações de ordem econômica, a família está sofrendo também mudanças de natureza cultural que indicam a ruptura de velhos padrões ao redefinir papéis de gênero e a relação entre as diferentes gerações (pensemos no divórcio, nas pessoas morando só, no aborto, nas mães solteiras, na liberalização dos costumes, etc.).

Tais mudanças se expressam na configuração de uma nova composição familiar, fenômeno mundial também observado na estrutura demográfica brasileira da atualidade. O que estes dados refletem, segundo especialistas da área é o fim da grande família, que potencialmente era capaz de oferecer amplas redes de sociabilidade, suportes afetivos cruzados e, eventualmente, ajuda econômica. A família restrita (ou família sem colaterais) é a tendência da composição familiar atual que afeta a todas as classes sociais, mas seu rebatimento nos setores populares traz conseqüências mais penosas.

Para SALES (Op. cit.), o que esses dados sinalizam é que os mecanismos de solidariedade familiar, considerados elementos básicos na proteção dos indivíduos contra as agressões externas e a exclusão social, adquirem agora o formato de uma interação limitada e precária entre alguns membros da família. Torna-se mais árduo para um membro familiar em dificuldade acionar uma rede de parentesco limitada ou dispersa, o que exige novas estratégias de organização doméstica, sobretudo, no que diz respeito ao cuidado com os dependentes.

A hipótese que sustentamos é que, malgrado a relevância que a família possa ter para os novos serviços e programas de desconstrução asilar, muitas vezes o processo de desinstitucionalização psiquiátrica é efetivado à revelia das dificuldades concretas que os familiares enfrentam para manter seu ente em casa. Muitos trabalhos de reinserção familiar de pacientes psiquiátricos são conduzidos sob o privilégio de abordagens quase que exclusivamente psicológicas, sem que se dê voz aos problemas concretos vividos pelas famílias no convívio e sustento diário de seus loucos. Assim sendo, embora mais presentes nesses serviços, as famílias tendem a não ser consideradas como usuárias dos mesmos, ou como um usuário de menor importância que teima em obstaculizar a Reforma Psiquiátrica. É notória a ausência de reflexões nos Serviços de Saúde Mental sobre as dificuldades que as famílias de pacientes psiquiátricos têm em conciliar lazer, trabalho e cuidado diário de seus entes doentes. Mesmo quando questões como essas conseguem ter um canal de expressão nos serviços, acabam por não ter eco na dinâmica ou reorganização do mesmo. A maior parte dos serviços de Saúde Mental ofertados hoje à população tende a depositar o peso do cuidado com a loucura sobre as famílias.

Há uma necessidade premente para a constituição de serviços de saúde mental capazes de compatibilizar interesses e direitos conflitantes de usuários e familiares (GIANNICHEDA, 1989 e SOMMER, 1990). Serviços que se estruturem como dispositivos assistenciais dispostos a rever com a família a distribuição do tempo de cuidado, a permitir maior poder de interferência dos familiares na sua dinâmica e organização internas, ultrapassando as abordagens que culpabilizam as famílias pelo adoecimento de seus entes.

Os autores em tela apontam, ainda, para o papel de "maximização do tempo de produção" que os asilos psiquiátricos e as instituições totais de uma maneira geral cumpriam frente as famílias das classes trabalhadoras. O que se intenta ressaltar é que, para além da função repressiva, as instituições totais exerciam uma função econômica, posto que ao enclausurarem os loucos, e toda sorte de dependentes, elas acabavam por poupar o tempo das famílias com o cuidado de seus entes.

Podemos encontrar uma análise sobre a função econômica das instituições totais também em IGNATIEFF (1987), que discorre sobre os riscos que as análises históricas das instituições totais trazem - principalmente aquelas que se apóiam em Goffman e Foucault - de tornarem-se uma "história institucional", isto é, uma história limitada ao que ocorre no interior da instituição, um relato "da sua arquitetura, da sua administração, das relações de quem captura e é capturado". Para o autor, o melhor ponto de abordagem desta história deve se localizar a partir do exterior da instituição: "a partir do mundo das classes trabalhadoras". A história das instituições totais se situa na relação entre o que ocorre no interior da instituição e o que se passa fora dela: no papel exercido pela instituição total na reprodução da ordem social.

As mudanças na natureza do trabalho de mulheres e um aumento global na duração e na intensificação de trabalho para homens e crianças durante a industrialização tornaram mais difícil para as famílias de trabalhadores combinarem emprego, cuidado e alimentação de dependentes no lar. Essas suposições podem esclarecer novas questões acerca da demanda vinda da classe trabalhadora para as instituições do Estado.
Um dos maiores desafios postos na contemporaneidade aos profissionais que atuam na saúde mental, principalmente para aqueles que são contrários à privatização da questão do cuidado dos loucos no âmbito das famílias, é elucidar de que forma o hospício participa da reprodução das relações sociais de classe que conformam a ordem burguesa. É compreender a demanda pela institucionalização psiquiátrica ou, em outros termos, dos obstáculos ao "retorno" do paciente ao convívio social, como expressão da "questão social

Esse não é um desafio fácil, posto que a maioria das interpretações críticas da história da Psiquiatria, fundamentalmente aquelas ancoradas no pensamento foucaultiano, pensa o asilo psiquiátrico como uma estrutura eminentemente ordenada pela lógica punitiva, uma estrutura descolada da esfera da dominação de classes. Assim, o asilo é visto como produto de um outro fenômeno, na maioria das vezes, fruto da dominação da razão normativa; uma estrutura apartada das interações entre o Estado e a sociedade civil, das lutas de classe e da "questão social" na ordem burguesa monopólica.

CASTEL (1991) demonstra como o asilamento não foi, como sugere Foucault, um fenômeno universal que tivesse por objeto a loucura em geral, isto é, independente da classe de origem do alienado. Embora o autor declare expressamente que sua análise segue a linha aberta por Foucault em História da Loucura (1987), as considerações a respeito da criação dos primeiros hospícios franceses demonstram que a história da institucionalização da loucura se passa como estratégia de dominação de classe.

O referido autor aponta - e isto é de extrema relevância – que, embora a aliança entre o movimento filantrópico e o alienismo tenha-se esforçado para creditar à Psiquiatria amplos poderes sobre o destino social dos loucos - regularização do processo de internação e interdição da loucura sob crivos médicos, remodelação da estrutura assistencial da saúde mental por todo o território francês, construção de asilos especificamente para doentes mentais em quantidade e qualidade terapêutica suficientes - a idade de ouro do alienismo nunca existiu. Os avanços ficaram circunscritos apenas aos loucos pobres, principalmente aqueles sem família.

Para o autor supracitado, a assistência psiquiátrica asilar recai com peso diverso para as diferentes classes sociais, pois a Psiquiatria que surge como especialização médica na aurora do século XIX é uma Psiquiatria de classe. No entanto, a intenção do autor não é afirmar que os loucos de origem abastada não conheceram o asilamento (até porque o problema da institucionalização da loucura requer uma compreensão mais ampla), posto que a origem de classe compõe uma importante dimensão do problema, mas não a única. A gravidade da "patologia" e o suporte familiar constituem também elementos determinantes do destino social do alienado. Uma característica muito pouco observada corrige o funcionamento de classe da Psiquiatria, mas somente para os doentes mais graves: quanto mais longa e seriamente doente estiver uma pessoa, mais perderá seus privilégios de classe. A família se cansa de consultar unidades médicas e de pagar, sem resultados, contas hospitalares proibitivas. O louco de boa família pode se tornar, assim, um crônico de asilo, mas depois de um processo mais lento e menos necessário do que o do indigente.

Estes "critérios" - origem de classe, gravidade do adoecimento, suporte familiar -, devem, a nosso ver, ser utilizados para entendermos a demanda de institucionalização advinda da própria família do paciente psiquiátrico. Desse modo, o alienismo ou o asilamento que o representa não podem ser interpretados como medidas de força que se impõem sobre a cabeça dos alienados mais pobres, sem família e mais adoentados, sem que exista uma demanda real para aquilo que Castel (Op. cit.) denomina de "encargo pelo exterior". O cuidado doméstico dos dependentes recai mais pesado nas famílias trabalhadoras que naquelas que não necessitam colocar sua força de trabalho à venda no mercado; ele é um trabalho pesado que geralmente não é socializado dentro do próprio clã familiar.

Se desejamos de fato reconhecer a família como um ator político privilegiado no processo de desinstitucionalização psiquiátrica, é necessário que reconheçamos que o cuidado doméstico dos dependentes é um trabalho pesado, repetitivo, invisível e que exige do provedor um estilo de vida que o isola do mundo exterior.

FONTE:  http://www.ubiobio.cl/cps/ponencia/doc/p16.2.htm

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Saúde Mental e uso de entorpecentes

Depois de ler a nova portaria nº. 2.841 de setembro de 2010 do Ministério da Saúde, que institui no âmbito do SUS os Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e outras Drogas - 24 horas - CAPS ad III, comparo essa decisão brasileira com outra iniciativa na França e na Alemanha, sobre a criação de salas seguras para o consumo de drogas, também conhecida como Narcosalas.

Segue a reportagem completo do blog Sem Fronteiras, do jurista e professor Wálter Fanganiello Maierovitch.

1. Em post de 16 de agosto passado foi comentada a resistência do governo Nicolas Sarkozy, como acontecera no do socialista François Mitterrand, em aprovar, no campo da saúde pública, a instalação de salas seguras (na Europa chamadas de narcossalas) para uso de drogas proibidas.

 Quando da proibição, ocorreram dois protestos de peso. Um da Associação Nacional para a Prevenção ao Alcoolismo e à Dependência (ANPAA) e outro da Associação para a Redução de Riscos (AFR).

Para a ANPAA, a “história da epidemiologia e a experiência clínica demonstram que a política governamental (de Sarkozy) de uma sociedade sem consumo de drogas é ilusório. As posturas proibicionistas e repressivas são inócuas. Isto porque uma cura raramente se dá apenas pela abstinência”.

Diante dos protestos, o Conselho Comunitário de Paris, uma espécie de câmara municipal, resolveu se debruçar sobre o caso e, ontem, votou a favor da abertura de pelo menos uma sala segura para consumo de drogas proibidas na cidade.

O conselho entendeu que com as narcossalas os consumidores de drogas proibidas correrão menos riscos de danos.

A iniciativa do Conselho de Paris contou com o apoio da Agência Regional de Saúde, a prefeitura, as associações comunitárias de redução de danos e de riscos aos usuários e os organismos de saúde pública envolvidos em atendimentos.

2. No campo dos direitos humanos, as narcossalas representam práticas sociossanitárias. Além de locais seguros para consumo, oferecem programas de emprego, informações e assistência médica permanente.

O modelo europeu considerado sucesso foi o implantado em Frankfurt, na Alemanha, em 1994, quando a cidade tinha cerca de 6 mil dependentes químicos. Até a Suíça trocou as praças pelos ambientes fechados e controlados.

Em Frankfurt, o número de usuários e dependentes caiu pela metade até 2003. Além disso, outras oito cidades alemãs adotaram as salas seguras. Os hospitais e os postos de saúde, antes das narcossalas, atendiam 15 casos graves por dia, com um custo estimado de 350 euros por intervenção. Tais resultados inspiraram a Espanha, que realiza experiências com as salas seguras.

O sistema alemão oferece acolhida aos que vivem marginalizados, em péssimas condições de saúde e econômicas. Foi, sem dúvida, uma forma de aproximação, incluindo cuidados médicos, informações úteis e ofertas de formação profissional e de trabalho. Com isso, o uso de drogas injetáveis despencou 50%.

Reduziram-se também significativamente os casos de Aids e outras patologias correlatas ao consumo de drogas proibidas. Vale destacar ainda que, entre os usuários que ingressaram nos programas de narcossalas, caiu o índice de mortalidade em virtude da melhora da qualidade de vida. Por sua vez, as mortes por overdose também baixaram, tendo o mesmo sucedido, no campo da microcriminalidade, com os delitos relacionadas ao consumo de drogas.

A experiência de Frankfurt serviu para afastar a tese de que as narcossalas poderiam estimular os jovens a ingressar no mundo das drogas. Pesquisas realizadas por autoridades sanitárias demonstraram que os jovens de idade entre 15 e 18 anos da cidade não partiram para o uso de heroína ou cocaína e menos de 1% nunca provou uma dessas drogas na vida. Um levantamento epidemiológico revela o aumento na idade do consumidor: subiu para entre 30 e 34 anos.

As narcossalas, nos lugares onde foram implantadas, deram certo não só em relação à redução da demanda, mas também pela contribuição positiva quanto aos aspectos e práticas humanos, solidários e de reinserção social. Na Alemanha, as federações do comércio e da indústria apoiaram com cerca de 1 milhão de euros os programas das narcossalas.

Alguém ousa opinar de como seria essa experiência aqui no Brasil, cujo país possui tamanhos continentais?

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ALGUMAS LIMITAÇÕES NO TRABALHO COM A FAMÍLIA DE BAIXA RENDA - Parte 2

No dia-a-dia da abordagem com a família, vários riscos permeiam a atuação do profissional. O primeiro é ele se dispor a fazer um trabalho com a família sem o devido preparo teórico-metodológico e ético. Nesse sentido, ele pode se sentir como “doutor em família”, por ter vivido e sofrido a vida toda a influência das relações familiares. Desse modo, “naturalmente”, pode acreditar que entende de família.

A ação conjunta de dois ou mais profissionais de diferentes categorias também pode trazer problemas. Se todos não tiverem preparo mínimo e maturidade, podem reproduzir conflitos que a família vivencia. Podem entrar em um jogo de disputa por competência ou para angariar a simpatia da família.


É comum em um serviço de saúde, até em um CAPs, a família sentir que não foi atendida se não falar ou passar por uma consulta com um psiquiatra, mesmo tendo sido assistida por todos os demais profissionais da equipe de nível superior. Às vezes, a atuação desses profissionais é mais intensa com os cuidadores domésticos, mas é comum, em reuniões ou assembléias, estes elogiarem ou reconhecerem publicamente apenas a ação médica.

Em muitos serviços, além dos vínculos precários de trabalho e dos baixos salários, há um baixo nível de recompensa simbólica, como o reconhecimento pelo trabalho realizado, que os profissionais esperam e muitas vezes não têm, da parte dos cuidadores domésticos. Não é rara a decepção e a fala indignada de profissionais que não se sentem reconhecidos. É preciso maturidade, bom senso e, acima de tudo, comportamento ético para enfrentar essa situação.

Os conflitos interprofissionais também podem ser reproduzidos na intervenção com os familiares/cuidadores, quando os profissionais querem apresentar soluções e mostrar-se úteis para a família. Muitas vezes as disputas acabam reproduzindo conflitos vivenciados entre os membros de cada grupo familiar. A carência afetivo-simbólica do profissional pode acabar se sobrepondo às necessidades das pessoas e grupos vulnerabilizados.

É necessário muita auto-vigilância nas práticas com a família. O espaço das supervisões é fundamental para equacionar divergências entre categorias profissionais e para apontar conflitos interpessoais. Outro aspecto importante é a relação com famílias de baixa renda. Poucos profissionais são capacitados academicamente para trabalhar com a família e, quando o são, parte significativa está preparada para lidar apenas com a família de classe média, de consultório, em uma realidade próxima à de sua experiência pessoal.

Nesse contexto, quando o profissional olha para a família dos segmentos de baixa renda, em estado de crise, muitas vezes só consegue ver desorganização, desestruturação. Mas é justamente nessa situação que ela busca um profissional ou um serviço de saúde mental. O profissional está pouco habituado a entender códigos culturais, lingüísticos e comportamentais que não sejam os de sua classe social, confundindo pobreza econômica e material com pobreza cultural.

Os familiares/cuidadores, em geral, trazem para os profissionais e serviços de saúde, além da crise psiquiátrica, todos os seus problemas existenciais. A crise psiquiátrica apenas intensifica os dramas vividos pelas famílias, vulnerabilizadas pelo contexto de pobreza e exclusão/destituição social.

Nessas circunstâncias, o profissional corre o risco de só ver pobreza e impotência, ficar paralisado como a família e não vislumbrar outras possibilidades. Na crise, o grupo familiar costuma mostrar toda sua fragilidade, mas podem também aflorar capacidades que às vezes não se consegue identificar. É o momento em que o profissional pode observar a dinâmica familiar de forma exponenciada, na solidariedade ou na ausência dela, nas tentativas de encontrar saídas, nos recursos ou na falta deles. É também o momento de observar se a família conta com uma rede social com oportunidades para obter suporte.

Diante da família em crise e que quer transferir a resolução de seus problemas para aqueles que “estudaram e entendem disso” (do cuidado com o PTM”), é comum o profissional se ver diante do dilema de ter que dar uma resposta, seja qual for, até para aliviar sua própria angústia ou demonstrar competência para lidar com o caso que tem diante de si.

Para o médico, parece ser mais tranqüilo prescrever uma medicação ou requisitar um exame. Para os demais profissionais, existe a tendência de utilização dos recursos da comunidade, que muitas vezes assume uma postura de transferência de responsabilidade, e não de compartilhamento de soluções. A família cuidadora coloca o profissional como o solucionador de problemas familiares, e muitos profissionais incorporam tal encargo.

Ao assumir o exercício da profissão como “doutor”, a atenção pode deslizar para uma atitude autoritária, caso o profissional considere que sabe tudo e, por isso, pode tudo resolver, sem dialogo e interlocução com a família/cuidador, tendo uma resposta para todas as questões, a fim de se manter nesse lugar. Essa atitude autoritária permeia as intervenções e coloca o profissional como única pessoa capaz de solucionar os problemas. Daí também a prática do “aconselhamento” ser generalizada. Freqüentemente o profissional acha que sabe o que é melhor para todas as famílias que chegam a seu consultório/serviço ou se encontram sob sua responsabilidade.

Nesse horizonte, é importante registrar as reações do profissional, ao se deparar com o grupo familiar e seus problemas. Cecchin (2000, p. 73) aponta cinco respostas básicas do profissional em relação à família:
• ele tem necessidade de se tornar útil para a família. Nesse cenário, quanto mais é útil, mais a família se sente inútil, desamparada e impotente, pois não constrói novas soluções para seus problemas;
• alguns se colocam como professores, prescrevendo comportamentos, “aconselhando” sem a família/cuidador ter solicitado. Nesse sentido, quanto mais for professoral, menos a família/cuidador aprende e menor qualidade interacional existirá entre ambos;
• o profissional deseja controlar o grupo, disciplinar o processo interativo, deixando os membros dependentes ou apáticos;
• o profissional quer proteger as pessoas, percebidas por ele como desorganizadas, infelizes, desestruturadas, e toma para si a tarefa de reorganizar e cuidar do grupo. Nesse sentido, não há um aprendizado do grupo na resolução de seus problemas;
• o profissional manifesta, consciente ou inconscientemente, o desejo de punir a família quer dar uma lição a quem ele considera um mau marido, má mãe, má filha, mau cuidador.
Nas formas acima esboçadas de oferecer resposta ao grupo familiar/cuidador, o profissional arrisca-se a exercer a cruel compaixão (Szasz, 1994), pois, sob pretexto de auxiliar o grupo a sair de sua crise, substitui o papel dos membros da família, subtrai a competência própria da família, desconsidera os recursos e a necessidade da família de construir sua história e sentir-se suficientemente capaz para resolver suas questões.

Assim, como visto, embora permeado por limitações, o trabalho com a família nos remete a reflexões que podem apontar possibilidades e desafios.

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Lançamento do livro Karl Marx e Subjetividade Humana - Eduardo Mourão Vasconcelos

Marcelle, prazer tê-la como aluna e amiga. (assim na dedicatória)

Léa, prof. Rita Vasconcelos, eu e Lili representando a graduação da UFRJ.

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ALGUMAS LIMITAÇÕES NO TRABALHO COM A FAMÍLIA DE BAIXA RENDA

Trabalhar com famílias de baixa renda implica lidar com várias limitações, decorrentes sobretudo de dupla estigmatização: a de serem pobres, em uma sociedade que só recentemente, depois da Constituição de 1988, reconheceu formalmente os pobres como cidadãos detentores de direitos; e de terem em seu meio um portador de transtorno mental, enfermidade carregada de imagens de periculosidade e incapacidade.

O deslocamento do familiar/cuidador até o serviço assistencial psiquiátrico, no geral, é complicado para esse segmento social, tendo em vista suas dificuldades econômicas, que o obrigam muitas vezes a andar a pé ou de bicicleta. Contudo, grupalizar os familiares cuidadores parece ser uma estratégia interessante, por propiciar a troca de experiências e mostrar que é possível conviver com o portador de transtorno mental de diferentes maneiras. Se, por um lado, os familiares cuidadores podem ser homogeneizados em sua condição de vida e na forma como enfrentam os desafios cotidianos, por outro lado há muita riqueza nos encontros.

Mas, mesmo nas reuniões semanais, uma das principais dificuldades é assegurar a presença dos familiares. A sobrecarga das tarefas domiciliares, sobretudo para o cuidador do portador de transtorno mental, que tende a ser o único cuidador direto no grupo, e as dificuldades econômicas da família explicitamse na alta rotatividade nas reuniões. Alguns serviços disponibilizam vale-transporte para o cuidador doméstico comparecer a elas, mas é raro algum deles manter freqüência semanal, apesar de as considerar importantes e participarem ativamente delas.

Por outro lado, as dificuldades com transporte nos serviços psiquiátricos, sobretudo nos hospitais, a lógica de organização de muitos deles e a sobrecarga dos profissionais impedem um trabalho mais sistemático na comunidade, no espaço doméstico, na rede de relações sociais do portador de transtorno mental, que corre o risco de ficar em segundo plano. Nesse sentido, os centros de atenção psicossocial têm inovado no trabalho com a família, com as associações de moradores, com as rádios comunitárias, com grupos de mulheres e com conselhos de políticas públicas.

Embora tais intervenções sejam fundamentais, a família demanda um preparo para o cuidado doméstico ao portador de transtorno mental e para enfrentar suas próprias questões, múltiplas e multifacetadas. A necessidade de atendimento à família na assistência psiquiátrica A abordagem da família é um encargo de toda a equipe dos serviços de assistência psiquiátrica. Nenhum profissional pode deter monopólio ou exclusividade.

Tem-se observado que cada serviço ou equipe se organiza de maneira própria para abordar a família. Historicamente, nos hospitais psiquiátricos o assistente social era o principal encarregado das questões relacionadas à família, possivelmente porque os pacientes geralmente eram pobres. Tudo o que não
era da alçada estritamente clínica era remetido ao assistente social. Ainda hoje ocorre esse entendimento.

Em alguns centros de atenção psicossocial, como no caso estudado por Ramos (2003) no Ceará, o assistente social é considerado pelas equipes como o “profissional da família”. Geralmente, o interesse pessoal de determinado profissional, a capacitação individual de cada agente e a condição de classe da unidade familiar têm definido quem se sente apto ou desejoso de trabalhar com a família.

Quando se identifica o aparecimento de um PTM no seio de uma família, ocorre um momento de crise, uma ruptura de rotinas, um conflito de papéis, pois cuidar de uma pessoa adulta, dependente, em geral está fora do previsto na história do grupo e de seu repertório de respostas. A família tem que reconstruir sua unidade, aprender a se relacionar com o transtorno mental, com os serviços de saúde mental e com a linguagem dos técnicos, que geralmente não estão preparados para dialogar com a população que não teve acesso à educação formal.

Nos serviços comunitários abertos, com internação parcial, de início se supõe maior interação da família com o serviço psiquiátrico, posto que o portador de transtorno mental permanece no máximo de sete a oito horas por dia na instituição, retornando no final da tarde para seu domicílio. No Piauí, há uma chamada para reunião com familiares uma vez por semana, com duração média de uma hora. No hospital psiquiátrico, no regime de internação integral, a reunião com a família, em geral, apresenta menor número de participantes. Já nos serviços com internação parcial, a participação de familiares é sempre maior.

Nessas reuniões, várias questões são observadas. Embora chamadas de reuniões de família, freqüentemente agregam cuidadores, pessoas que, no interior do grupo familiar, são responsáveis pelos cuidados diretos do portador de transtorno mental. No geral esse cuidador é a única pessoa da família a se encarregar desses cuidados.

Outro aspecto que chama atenção é a presença feminina no grupo de familiares/cuidadores, constatada nas reuniões nos serviços de saúde mental. Historicamente, as mulheres ficaram identificadas com o trabalho de cuidar dos outros, tanto na esfera privada quanto na pública. Não são raros os homens nessas reuniões, mas comparecem sempre em pequena quantidade. Nesse sentido, parece ser natural atribuir à mulher tal incumbência, por caber-lhe também os papéis de engravidar e amamentar.

CONTINUA

Texto de Lúcia Cristina dos Santos Rosa -A inclusão da família nos projetos terapêuticos dos serviços de saúde mental (Psicologia em Revista)

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Desinstitucionalizar é ultrapassar fronteiras sanitárias: o desafio da intersetorialidade e do trabalho em rede

Nos últimos anos é visível como a reforma psiquiátrica vem avançando no país, desde discussões mais afinadas acerca dos fundamentos históricos e conceituais da proposta de reforma em curso, até a análise crítica de seus principais dispositivos de intervenção, das conquistas e dos impasses que trabalhadores, gestores, usuários e familiares têm enfrentado no sentido de fazer avançar processos de desinstitucionalização requeridos, mas não garantidos, pelo aparato jurídico/estrutural da legislação vigente.

É possível reconhecer também que há uma sensibilidade mais aguçada que nos leva a reconhecer que a reforma psiquiátrica está articulada à produção de novos modos de subjetivação, pressupondo práticas de cuidado diversas das predominantes no modelo asilar, bem como a ruptura da lógica tutelar a ele associada. Esse reconhecimento parte do pressuposto de que a loucura se encontra confinada em saberes e instituições psiquiátricas, e em função disso, as inúmeras possibilidades da loucura enquanto radicalidade da alteridade são reduzidas a um único significado: doença mental.

Sabemos, portanto, que daí derivam as práticas de controle, tutela, domínio, normatização e medicalização, tão evidentes em nosso cotidiano. A manutenção dessas práticas, a produção de novas formas de controle cada vez mais sutis e eficazes, assim como a dificuldade de produzir interferências nesse âmbito, tudo isso vem sendo descortinado dia após dia. Queremos mudar, mas esse querer vai sendo enfraquecido, pois também está atravessado por uma lógica, aqui entendida como marcas invisíveis que produzem formas de subjetivação, que se expressa através de um desejo em nós de dominar, de subjugar, de classificar, de hierarquizar, de oprimir e de controlar a vida (Machado e Lavrador, 2001). Trata-se, pois, de uma cultura manicomial, dos nossos manicômios mentais (Pelbart, 1990). Isso indica claramente que a reforma psiquiátrica não se restringe a uma ordem macropolítica. Clausuras subjetivas nos habitam e são muito poderosas.
 
Acreditamos que há também lampejos em nossa compreensão atual de que não é para recuperar socialmente nem para retomar a normalidade perdida que a luta antimanicomial deveria operar, mas produzir novas formas de sociabilidade, reorientar nossas vidas a partir da mistura de diferentes códigos, romper os sentidos de mundo que a época nos impõe, produzir fissuras na ordem mundial, na hegemonia, na monotonia, constranger as linhas de força que operam hegemonicamente e que nos faz cada vez mais silenciosos, obedientes, dóceis e conformistas.

Com base nesses princípios tentamos contribuir com o debate nacional gerando interlocução com atores sociais envolvidos na luta antimanicomial que produzem interferências decisivas nos rumos do processo de reforma psiquiátrica. Esses atores, independente da condição de gestores, pesquisadores, trabalhadores de saúde mental, usuários, familiares, etc, constituem um coletivo que insiste na sustentação de uma utopia e na não conformação com as atuais promessas enganosas do hospital psiquiátrico humanizado, reformado, maquiado (Amarante, 2007).
 
Nesse intuito, queremos “botar lenha” na utopia, fomentar estratégias de resistência e criação no campo da saúde mental que venham ampliar nossa capacidade de análise e intervenção junto aos coletivos de trabalho, assim como contribuir para a produção de novos modos de operar a política de saúde mental que sustente e faça avançar a luta antimanicomial. Consideramos que para fazer um movimento social amplo e complexo acontecer, tal como se apresenta a reforma psiquiátrica, precisamos empreender uma guerra contra essa política de subjetivação que exige consensos, razoabilidade e, em contrapartida, promete segurança, bem-estar, pacificação, conforto, operando pela via do medo e da esperança.
 
É necessário para tanto operar críticas em dois âmbitos: um questionamento no campo científico, no qual a loucura enquanto doença mental é produzida pelo saber psiquiátrico, tendo um arcabouço técnico para tratá-la, e de outro, no âmbito da configuração social, onde as práticas científicas e os ideais modernos sustentam as formas de enclausuramento e silenciamento da loucura.

Magda Dimenstein Mariana Liberato
Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN

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Programa A Liga (Band): A saúde mental no Brasil

Nesta última terça-feira, 03 de agosto, o programa A liga exibido pela TV Band relatou um cenário sobre a saúde mental no Brasil. O programa é apresentado pelo Rafinha Bastos, jornalista e comediante também atuante no CQC, Débora Villalba, jornalista e modelo, o músico e ator Thaíde e a atriz Rosanne Mulholland.

A SAÚDE MENTAL NO PAÍS




A maior parte da população nasce saudável, sã e com perspectivas de uma vida promissora, mas nem todos vivem assim. A loucura, a esquizofrenia, o sofrimento mental e as doenças mentais podem acontecer com qualquer pessoa. Muitas vezes sem motivos, a doença tem início em qualquer fase da vida. Uma dura realidade que é melhor quando vivida com a compreensão, carinho e respeito das pessoas, em especial, da família.

Para buscar diminuir um pouco o sofrimento de pacientes e familiares, no ano de 1978 tiveram início as primeiras lutas e movimentos sociais pelos direitos dos pacientes psiquiátricos no Brasil. Esta luta, contava com o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), que era formado por associações de parentes, sindicalistas, profissionais do meio e pessoas com longo histórico de internações psiquiátricas. Eles tinham como objetivo denunciar os métodos usados nos manicômios, denunciar a violência e o abuso da medicação e choques nos internos.

Após inúmeras reivindicações, em 1987 aconteceu o II Congresso Nacional do MTSM na cidade de Bauru, em São Paulo, com o objetivo de que fosse feita a reforma psiquiátrica, mas apenas na década de 1990 foi firmado pelo Brasil a assinatura da Declaração de Caracas, que passou a vigorar no país as primeiras normas federais que regulamentavam a implantação de serviços de atenção diária , fundadas nas experiências dos primeiros Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS) e Hospitais-dia, e as primeiras normas para fiscalização e classificação dos hospitais psiquiátricos.

Os CAPS são serviços públicos de saúde mental, destinados ao atendimento de pessoas com transtornos mentais. Este serviço tem como objetivo, a substituição das internações em hospitais psiquiátricos com modelos antigos como os manicômios e tratar a saúde mental do indivíduo de forma adequada, com atendimento, acompanhamento clínico, auxílio na reinserção social dos doentes na sociedade e na própria família.

Além do CAPS, existe também os NAPS, que foi criado pela Secretaria Municipal de Saúde de Santos, em São Paulo, após receber denúncias de que a Casa de Saúde Anchieta era um lugar que maltratava os pacientes, tendo havido casos de morte no local. O assunto teve repercussão nacional o que marcou o processo de reforma psiquiátrica brasileira. O espaço foi abordado inclusive no filme “Bicho de Sete Cabeças”, estrelado pelo ator Rodrigo Santoro. 

 

 A reforma psiquiátrica após a lei nacional

Hoje, sofrem de transtornos mentais severos (esquizofrenia, autismo, psicose infantil, neuroses graves, depressão profunda e deficiência mental severa com sintomas psicóticos) 3% da população do país, ou seja, entre 5 e 6 milhões de pessoas. Além destes pacientes graves, se considerar aqueles que possuem os chamados transtornos mentais leves (depressão não tão profunda, fobias, demências moderadas), chegam a 12% da população, cerca de 20 milhões de pessoas.

Somente no ano de 2001, após 12 anos de tramitação no Congresso Nacional, a Lei Paulo Delgado foi sancionada no país, a tão sonhada reforma psiquiátrica. Com isso, a Lei Federal 10.216 redireciona a assistência em saúde mental, privilegiando o oferecimento de tratamento em serviços e a proteção dos direitos das pessoas com transtornos mentais, mas não deixa claro a total extinção dos manicômios.



Quem é internado em uma clínica?


Difícil definir qual o momento certo para a internação de um paciente em uma clínica psiquiátrica. É uma decisão delicada para o paciente e para as famílias, mas antes de qualquer decisão, é necessário uma avaliação médica, que mostre alguns sintomas que justifiquem a internação, tais como: falta de memória, fobias, síndromes, medos, crises de estresse, comportamento suicida ou homicida, falar sozinho, agressividade, alucinações e delírios, problemas em seguir um padrão social e suas regras de convivência.
Sendo assim, para os especialistas, os problemas começam quando a pessoa não consegue mais distinguir a realidade da fantasia. É importante dizer que fatores genéticos, biológicos e problemas sócio-econômicos são motivos que também levam pessoas a ter problemas mentais.

Uma das doenças mentais mais comuns é a esquizofrenia, que gera uma desordem cerebral crônica, grave e incapacitante e afeta em torno de 1% da população. Essas pessoas podem escutar vozes e acreditar que outros estão lendo e controlando seus pensamentos ou conspirando para prejudicá-las. Essas experiências são aterrorizantes e podem causar medo, recolhimento ou extrema agitação.

Sintomas psicóticos, como alucinações e delírios, geralmente aparecem nos homens durante a adolescência tardia e próximo doas 20 anos. Nas mulheres variam geralmente entre 25 e 30 anos. Esquizofrenia raramente aparece depois dos 45 anos de idade ou antes da puberdade, embora já tenham sido registrados casos em crianças de cinco anos.



 

Sintomas da esquizofrenia


-Sintomas positivos:São pensamentos e percepções diferentes como alucinações, delírios e desordens no pensamento.

-Sintomas negativos: Representam a perda ou diminuição na capacidade de iniciar planos, falar, expressar emoções ou encontrar prazer na vida  comum. Esses sintomas são difíceis de reconhecer como parte da esquizofrenia e podem ser confundidos com preguiça ou depressão.

-Sintomas cognitivos:São problemas  com atenção, certos tipos de memória e funções de execução que permite planejar e organizar. Déficits cognitivos também podem ser difíceis de reconhecer como parte da esquizofrenia, porém são os mais incapacitantes para levar uma vida normal.
Tratamento

Para tratar a esquizofrenia é um pouco complicado, tendo em vista que a causa da doença ainda é desconhecida.


Os tratamentos incluem medicamentos antipsicóticos e tratamento psicossocial e podem aliviar significadamente os sintomas, porém, a maioria das pessoas com esquizofrenia enfrentam alguns sintomas residuais por toda a vida, apesar de muitas delas conseguirem levar uma vida construtiva em suas comunidades.

 
  
Quando voltar ao convício social?


São várias as razões que podem justificar uma internação, mas como analisar o momento certo de um interno deixar uma clínica psiquiátrica e voltar para o convício social?


De acordo com a psicóloga Marielle Oliveira Batista, da Clínica Neuro-Psiquiátrica de Alfenas (MG), o paciente é analisado por completo, desde seu histórico no período em que esteve internado na clínica, a evolução no seu discurso e conversas, até sua higiene pessoal. Também é importante verificar a qualidade do sono dele, como o mesmo esta reagindo ao tratamento, como esta o seu comportamento quando junto a outras pessoas.


Um dos fatores também analisados antes da alta do paciente é se ele ainda possui alucinações e a freqüência em que acontecem as crises. Segundo Marielle, “os indícios de sentimentos suicidas e homicidas são os mais analisados. Nenhum médico quer dar alta para um paciente, e logo depois aparecer a notícia de que ele cometeu suicídio ou atentou contra a vida de uma outra pessoa.”


Geralmente, os pacientes da Clínica Neuro-Pisiquiátrica ficam internados entre três e seis meses. “Os internos são inteligentes e possuem capacidade suficiente para produzir e conviver na sociedade após o tratamento. Eles conseguem conviver com o sofrimento mental, o difícil é conviver com a indiferença e o preconceito que enfrentam logo que saem” concluiu Marielle.


 

Movimento antimanicomial


O Movimento Antimanicomial, também conhecido como Luta Antimanicomial, se refere a um processo organizado de transformação dos serviços psiquiátricos, relacionados a uma série de eventos políticos nacionais e internacionais. A campanha tem o dia 18 de maio como data de celebração no calendário brasileiro.


Desde 2001 o número de leitos em hospitais caiu de 51 mil para 35 mil e as residências terapêuticas com regime aberto eram 85 agora são 563 ao total. Nos séculos passados, quando ainda não havia controle de saúde mental, a loucura era uma questão privada, onde as famílias eram responsáveis por seus membros portadores de transtorno mental.


Com o passar dos anos, começou então a discussão e luta pela implantação de serviços de saúde mental no Brasil. Foi quando surgiram as primeiras instituições, no ano de 1841, na cidade do Rio de Janeiro, que era um abrigo provisório. Somente agora no final do século XX é que a militância por serviços humanizados conseguiu as primeiras implantações de Centros de Atenção Psicossocial, os CAPS.
Texto da redatora do programa Cristiane Andrade.


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Arthur Bispo do Rosário - 50 anos na Colônia Juliano Moreira (RJ)


Arthur Bispo do Rosário perambulou numa delicada região entre a realidade e o delírio, a vida e a arte. Na tentativa de seguir passos e pistas, também eu (autora Luciana Hidalgo) peregrinei nessa estrada. E muitas vezes deixei-me perder no labirinto de bispo. O que dizer de um homem internado em um hospício do subúrbio carioca durante quase 50 anos, tido como louco que um dia seria celebrado como artista em exposições internacionais? A biografia de ator bispo do Rosário mistura fragmentos que ora se encaixam ora se estranham.

Colar pedaços desse mundo foi uma serie de achados e perdidos. Quis saber mais sobre Arthur Bispo do Rosário, o homem por trás do artista e do esquizofrênico-paranóico diagnosticado pela psiquiatria. Procurei o cidadão brasileiro, ex-marinheiro e pugilista, eleitor e trabalhador. Investiguei impressões digitais, registros policiais, documentos, prontuários médicos. Deparei com a boa vontade de fontes e esbarrei na memória fraca do país. Resultado: as pegadas de Bispo surgem e desaparecem numa seqüência de altos e baixos.

Internado na Colônia Juliana Moreira, em Jacarepaguá, de 1939 a 1989, entre idas e vindas, ele construiu um universo de miniaturas. A obra, inspirado por anjos e pela virgem Maria, seria apresentada ao Todo-Poderoso no dia do Juízo Final. Ele nunca quis ser um artista. A viagem estética de Arthur Bispo do Rosário era uma missão ditada por seres do além. Quando alguém perguntava sobre sua origem, Bispo desviava: era um enviado dos céus, um Cristo, o próprio. E arriscava:

- Um dia eu simplesmente apareci no mundo.

Respeitei a versão de Bispo, mas fui até Japaratuba, uma pequena e simpática cidade do Sergipe. No empoeirado livro de batistério da igreja local, acabei encontrando o registro do pequeno Arthur, batizado aos três meses, em 05 de outubro de 1909. Suspirei aliviada num primeiro momento, orgulhei-me da descoberta, para só então compreender o protagonista desta história. Arthur Bispo do Rosário um dia apareceu no mundo e compôs uma trajetória tão peculiar que dados biográficos por vezes esvaem-se entre verdades e fantasias. Ele viveu num mundo paralelo

O que os médicos classificariam como delírios místicos Bispo traduziria como designos da fé. Uma devoção que resultou em quase mil obras. Seu mundo particular, feito em parte da sucata do hospício, seria um dia catalogado como obra de arte. E Arthur Bispo do Rosário? Um artista plástico, que representaria o Brasil num dos maiores eventos internacionais de artes plásticas, a Bienal de Veneza, na Itália, em 1955. Nessa ocasião, estimou-se em R$ 318.000 o valor do seguro de 143 peças de Bispo. E centros como o Georges Pompidou, de Paris, e o Whitney Museum, de Nova York, solicitaram suas obras para exposições.

Diante de tão singular trajetória, recolhi-me à insignificância da jornalista diante do biografado e me permiti compor esta quase biografia de Arthur Bispo do Rosário. Conversei com as pessoas das famílias Leoni e Bonfim, que lhe deram guarida fora do manicômio. Ouvi a história de Rosângela Maria, a estagiária de psicologia que conseguiu atender Bispo nos anos 80 e por quem ele nutriu um carinho especial. Foi à única terapeuta que Bispo deixou entrar.

O foco está no cotidiano da Colônia Juliano Moureira, um baú de reminiscências psiquiátricas que servem como pano de fundo para o personagem principal. Bispo driblou eletrochoques, lobotomias e remédios, impõe-se como xerife do núcleo Ulisses Vianas e fez do asilo suas trincheiras. Orquestrou assemblagens, e estandartes e objetos no silêncio da clausura. Desfiou o próprio uniforme do hospício para seus bordados e escreveu sem descanso. Ele precisava das palavras escritas, por isso trechos do seu manuscrito abrem cada capítulo, com o devido respeito à grafia original.

A triste face da loucura encarcerada me tirou o sono de início. Até o dia em que alguém me disse: - Não se incomode, afinal, isso aqui é um hospício. – Mandei a lógica às favas e embarguei nos sonhos e pesadelos de uma instituição como essa. Confesso que até agora é difícil entender como Bispo foi capaz de erguer um império de formas e cores amarradas à rotina do asilo. Ele não coube nessa paisagem árida, deixando se perder e achar no labirinto que ele mesmo criou e no qual me aventurei para tentar encontrá-lo.

LUCIANA HIDALGO
Livro: Arthur Bispo do Rosario: o senhor do labirinto

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Poesias de um morador da longa permanência


FICO A ESPERAR

Às vezes entristeço meu coração, mas logo vem a alegria. Solidão lá fora, na noite faz frio, ao pensar no meu passado. Mas logo a alegria chega e mais me alegra meu coração. Digo eu: “nem tudo está perdido, outro dia virá”.

Penso eu, nunca é tarde para conquistar tudo de bom: paz, saúde, alegria e felicidade. Nada como um dia de hoje e de manhã que pertence a Deus. A alegria chegará. A vida é curta e passageira. A esperança nunca morre. Amar e viver, sofrer não. Felicidade sim.


AMOR

Naquela rua mora um anjo com quem vivo a sonhar
Olho a rua não te vejo, amor que me faz brilhar
Jasmim morena, uma flor de amor cheirosa
Quero com você estar, amor
Onde está?
A noite fico só, sentindo esse amor
Falta do amor que perdi
Aurora traz de volta...

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A Longa Permanência Hospitalar e os caminhos da desinstitucionalização.


Inserida em campo de estágio há um ano e meio trabalhando com usuários de longa permanência do Hospital Psiquiátrico em Jurujuba - Niterói - tenho refletido e pensado a respeito dos trabalhos, projetos terapêuticos e os novos rumos da desinstitucionalização no contexto da Reforma Psiquiátrica.

 Fazendo um balanço desde o movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental  na década de 70, no fortalecimento do MNLA (Movimento Nacional de Luta Antimanicomial) e,  principalmente, o importante projeto de Lei  em 2001, a Lei 10216, um marco no âmbito da Reforma Psiquiátrica, é inegável os avanços e as conquistas nesse sentido. Graças  ao fortalecimento dos movimentos sociais e às próprias demandas dos trabalhadores da Saúde Mental por uma psiquiatria mais democrática e práticas menos segregadoras é que a atual configuração da Reforma Psiquiátrica se direciona para o encerramento dos leitos psiquiátricos e avanço na lógica da atenção e do cuidado no território.
 

Mas infelizmente ainda existe uma parcela ou uma pequena parcela, se é que poderíamos falar assim, morando em hospitais psiquiátricos. Seja porque não contam mais com suporte familiar (são os "esquecidos" no hospital à época do manicômio), seja porque não é possível viver com tais parentes ou porque não tem benefício social (suporte financeiro) até porque muitos deles não têm nenhum documento.

Diante disso ficam as perguntas intrigantes: Como trabalhar na lógica contrária dos manicômios em relação  a esses moradores? Como construir uma nova realidade antimanicomial no cotidiano desses moradores mesmo estando eles ainda dependentes dos muros do hospital?

Nesse aspecto CAPS, equipe interdisciplinar, psiquiatra, o próprio hospital se unem para construir  projetos terapêuticos singulares que visam  a possível saída desses moradores para uma residência terapêutica ou, quem sabe, o retorno às famílias.  Estive analisando vários prontuários com moradores do hospital, aonde me encontro atualmente estagiando, e constatei que  existem projetos terapêuticos para cada um deles. Percebi que há esforço enorme da equipe em trabalhar esse morador para uma saída do dos muros da instituição.

É bastante progressista quando a gente vê na prática a forma de se lidar com o louco mesmo ele morando no hospital. Eles circulam pelo HPJ o tempo todo. As celas fortes já não existem mais. Há um respeito por parte dos funcionários, mesmo até aquele vigilante  contratado  que conversa e o chama pelo nome, talvez entendendo, de alguma forma, o trabalho que a equipe faz.

Em outro momento relatarei meu último ano de estágio no HPJ contando as histórias do meu diário de campo, é claro, sempre preservando a identidades desses sujeitos. Outro dia participei de uma festa junina justamente no quintal da Longa Permanência, em que todos que estavam no hospital foram convocados a participar. Equipe e usuários juntos  dançando ao som do DJ em uma animada festa. Olhei aquele espetáculo e pensei: "Sou da geração que vi a  psiquiatria renovada e inflama meu coração saber que no passado essa mistura de  psicólogo, estagiários, médicos, diretores embalados no forró com usuários não seria possível". Não que não existam contradições, perspectivas e práticas segregadoras nos hospitais, em geral, mas  de fato mudanças significativas no tratamento aos loucos ocorreram.

A principal crítica que se faz  no novo contexto da Reforma Psiquiátrica não é está em si, mas no enxugamento das Políticas Sociais  no Estado Neoliberal. Temos de estar atento ao rebatimento da questão social na saúde mental também. Como falar em reabilitação psicossocial em uma sociedade "desabilitadora"?

Como vamos caminhar  em uma perspectiva de autonomia do portador de transtorno mental tentando assegurar-lhe igualdade conseguindo emprego, se o desemprego  assola nossa sociedade? Habitação é um direito de cidadania e o que o Estado tem feito para as classes populares e aí, me refiro também aos loucos, no sentido de garanti-lhes o direito à habitação?

Os Serviços Residenciais Terapêuticos serão sempre insuficientes enquanto não se combater a questão central, a meu ver, nesse processo: A Questão Social. Aquele sujeito que deambula pelas ruas numa crise aguda pego pela ambulância e levado para o hospital, sem família, sem história, será um forte candidato à longa permanência hospitalar.

Não devemos deixar de considerar o sofrimento mental em si, a psicose grave que está ali e que precisa de uma intervenção médica. Da mesma maneira, o nosso olhar sobre  sofrimento psíquico pode estar pautado numa visão mais "psi", ou seja, esse sujeito teve uma infância e uma criação conflituosa e pode ter desenvolvido uma esquizofrenia, independente de que classe social pertença. Mas jamais podemos deixar de considerar os problemas sociais como, também, constitutivos do sofrimento mental.

Por Marcelle Trindade (estudante da Escola de Serviço Social da UFRJ e autora desse blog)

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1º Encontro Nacional de Estudantes Antimanicomiais





Informações
eneama.org@gmail.com

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IV Conferência Nacional de Saúde Mental - Brasília

As Conferências de Saúde são fundamentais para a construção democrática das políticas públicas do Sistema Único de Saúde. A Saúde Mental já realizou três conferências setoriais, que produziram importantes deliberações que têm subsidiado a Política Nacional de Saúde Mental. 

A primeira conferência foi realizada em 1987, no esteio da VIII Conferência de Saúde (1986), marco histórico na construção do SUS. A segunda, ocorrida em 1992, foi inspirada em outro marco histórico para o campo da saúde mental, a Conferência de Caracas (1990), que em reunião dos países da região, definiu os princípios para a Reestruturação da Assistência Psiquiátrica nas Américas. Já a terceira conferência aconteceu em 2001, ano em que foi aprovada a Lei 10.216, que trata dos direitos das pessoas com transtornos mentais e reorienta o modelo assistencial em saúde mental, na direção de um modelo comunitário de atenção integral. A III Conferência teve especial importância para impulsionar a Política Nacional de Saúde Mental, sobretudo com o respaldo da lei federal.


Nestes quase 10 anos do processo de Reforma Psiquiátrica sob vigência da lei, o SUS ampliou significativamente a rede de serviços extra-hospitalares e reduziu leitos em hospitais psiquiátricos com baixa qualidade assistencial, lugar de constantes violações de direitos humanos.

No Governo Lula, estas mudanças foram intensificadas e o cenário da atenção em saúde mental no país teve mudanças radicais: em 2002 havia 424 Centros de Atenção Psicossocial, que representavam cobertura de 22% da população, e atualmente são 1467 serviços, com 60% de cobertura assistencial. Neste período foi criado, por lei federal, o Programa de Volta para Casa, para egressos de longas internações psiquiátricas. 

Hoje são 3.445 beneficiários, que recebem o auxílio-reabilitação psicossocial de R$ 420,00. Além disto, há inúmeras outras ações e serviços de atenção em saúde mental: ações de saúde mental na Estratégia Saúde da Família, 860 ambulatórios, 2.600 leitos em hospitais gerais, 550 residências terapêuticas, 393 experiências de geração de renda (projeto Saúde Mental e Economia Solitária, que beneficia cerca de 6.000 usuários), 51 centros de convivência, entre outros. O governo federal criou também a Política de Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas.

Neste cenário, a intersetorialidade é um dos principais desafios colocados à atenção em saúde mental. Com a consolidação da reorientação do modelo assistencial, a necessidade de ampliação da garantia de direitos das pessoas com transtornos mentais e a intensa discussão da cidadania como princípio ético das políticas voltadas para este campo, é fundamental a articulação de diversas políticas sociais. A Saúde Mental tem destacado como parceiros privilegiados a Secretaria Especial de Direitos Humanos, o Ministério do Desenvolvimento Social, o Ministério da Justiça, o Ministério da Cultura, o Ministério da Educação e o Ministério do Trabalho.

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