Os brasileiros se entopem de Rivotril

Venda de calmante tem alta de 36% em quatro anos no Brasil

Em 4 anos, salto foi de 36%; tranquilizante é o 2º mais vendido entre drogas com receita e só perde para anticoncepcional. Para psiquiatras, há um abuso na indicação do tarja preta clonazepam, que causa dependência e danos na memória.

A venda do ansiolítico clonazepam disparou nos últimos quatro anos no Brasil, fazendo do remédio o segundo mais comercializado- entre as vendas sob prescrição.

Entre 2006 e 2010, o número de caixinhas vendidas saltou de 13,57 milhões para 18,45 milhões, um aumento de 36%. O Rivotril domina esse mercado, respondendo por 77% das vendas em unidades (14 milhões por ano).


O levantamento foi feito pelo IMS Health, instituto que audita a indústria farmacêutica, a pedido da Folha. O tranquilizante só perde hoje para o anticoncepcional Microvlar (em média, 20 milhões de unidades por ano).
Para os psiquiatras, há um abuso na indicação desse medicamento tarja preta, que causa dependência e pode provocar sonolência, dificuldade de concentração e falhas da memória.

Eles apontam algumas hipóteses para explicar o aumento no consumo: as pessoas querem cada vez mais soluções rápidas para aliviar a ansiedade e o clonazepam é barato (R$ 10, em média).
Médicos de outras especialidades podem prescrever o ansiolítico e há falta de fiscalização das vigilâncias sanitárias no comércio da droga.

Procurada, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) não se manifestou sobre o assunto.
Para o psiquiatra Mauro Aranha de Lima, conselheiro do Cremesp (Conselho Regional de Medicina), é “evidente” que existe indicação inapropriada do remédio, especialmente por parte de médicos generalistas, não familiarizados com a saúde mental.

Muitos pacientes, segundo ele, já chegam ao consultório com queixas de ansiedade e pedindo o Rivotril. “As pessoas trabalham até tarde, chegam em casa ansiosas e querem dormir logo. Não relaxam, não se preparam para o sono. Tomar Rivotril ficou mais fácil”, diz ele, também presidente do Conselho Estadual Sobre Drogas.

Lima explica que entre as medidas adotadas pelo Cremesp para conter o abuso no uso do remédio estão cursos de educação continuada voltados a médicos generalistas.
Na sua opinião, a precariedade do atendimento de saúde mental no país também propicia o abuso do remédio.

INDICAÇÃO DE AMIGO

O psiquiatra José Carlos Zeppellini conta que recebe muitos pacientes que não tinham indicação para usar o remédio e que se tornaram dependentes da droga.

“Em geral, começaram a tomá-lo por sugestão de amigos e vizinhos, em um momento de tristeza, após terminar um namoro, por exemplo. Não é doença. Depois, não conseguem parar de tomá-lo porque têm medo de não se adaptar. É mais uma dependência psíquica do que física”, acredita ele.

Entre os usuários do Rivotril, existe um misto de glamorização e demonização em relação à droga.
Páginas no Facebook, classificadas na categoria entretenimento, tratam o Rivotril como “remedinho maravilhoso”. Outros grupos on-line, porém, discutem a dependência e os efeitos colaterais do remédio.

Dependência ocorre após 3 meses, segundo psiquiatra

O psiquiatra Ronaldo Laranjeira, professor na Unifesp e coordenador da Uniad (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas), alerta que três meses de uso do Rivotril já são suficientes para criar uma dependência da droga. Para ele, a falta de fiscalização no comércio do remédio, o baixo preço e um possível “conluio” da indústria com o mercado poderiam explicar o sucesso do remédio no Brasil, que não se repete em outros países. A Roche, fabricante do Rivotril, informa que o remédio faz sucesso porque é eficaz e barato. Também diz que, como a droga está há muito tempo no mercado, não há ações de marketing. A seguir, trechos da entrevista à Folha:

Folha – A que o sr. atribui esse aumento do uso de Rivotril?

Ronaldo Laranjeira – Temos uma vigilância sanitária muito falha no Brasil. Duvido que essa quantidade de prescrição seja legítima. Nos países desenvolvidos, a tendência é de diminuição dos benzodiazepínicos. A prescrição médica é mais rigorosa e fiscalizada, o que não acontece por aqui. É curioso saber também por que o Rivotril se destaca entre todos os benzodiazepínicos, coisa que não acontece lá fora.

Você tem alguma suspeita?
A gente pensa em algum conluio, em alguma colaboração da própria indústria com esse mercado ilegítimo ou cinza de venda do medicamento. Mas é só suspeita.

O fato de ser um remédio muito barato também ajuda?
Sem dúvida. A falta de controle na fiscalização e o baixo preço facilita o uso de qualquer droga. Por que no Brasil os opiáceos não são problema? Porque o controle é rigoroso e o preço é alto.

E quais os problemas reais que esse remédio causa?
Eles são hoje a principal causa de queda em idosos nos EUA. Os profissionais têm medo de prescrever e ser processados depois. Também não há indicação médica para seu uso regular. A maioria dos usuários no Brasil são crônicos, dependentes, às vezes de baixa dose. A pessoa pode ficar dependente e não necessariamente fazer uma escalada da droga. Pode usar um comprimido de Rivotril por dez, 20, 30 anos e ficar só naquela dose.

Em quanto tempo a pessoa se torna dependente

Em geral, após três meses.

E o que fazer se quiser parar?
Tem que ir diminuindo aos poucos a dose, por um período de seis semanas. Se parar de uma vez, tem risco de convulsões, de mal-estar. Mas, se a pessoa tem outros transtornos, precisa de avaliação.

“Não vivo sem o meu Rivotril”, diz vendedora
Há cinco anos, a vendedora Mariana Vasconcelos do Prado, 26, não sabe o que é uma noite de sono sem o tranquilizante Rivotril. “Sei que estou dependente dele, mas não consigo largar porque me sinto muito bem”, diz ela.

Tudo começou com uma síndrome do pânico, quando ela se mudou de Atibaia (SP) para São Paulo, capital. “Tinha medo de morrer. Não dormia.”

O diagnóstico foi feito pelo psiquiatra da tia, de Pouso Alegre (MG). À época, ela recebeu a prescrição do Rivotril e do antidepressivo venlafaxina.

“Comecei com a dose de 125 mg [de venlafaxina] e hoje tomo 37,5 mg todos os dias. O psiquiatra já sugeriu que diminuíssemos a dose do Rivotril, mas não adianta”, conta.

“Não consigo dormir se eu não tomar 2 mg de Rivotril. Já entro em pânico só de pensar em ficar sem ele”, diz Mariana.

A dependência é tanta que, mesmo tomando o remédio só à noite, ela o carrega dentro da bolsa o tempo todo. “Não vivo sem o meu Rivotril. Já é uma dependência mais emocional do que física.”

Mariana passa por consulta com o psiquiatra uma vez por ano. Mas, a cada mês, o médico renova para ela as receitas dos remédios. Pelo Rivotril, ela paga R$ 8 a caixa com 30 comprimidos.

A ação do tranquilizante

ANSIEDADE
Estimula a ação de um ácido (conhecido como gaba) no cérebro, que inibe a ativação de áreas relacionadas ao medo e à ansiedade

SONO
Reforça os estágios do sono REM, que correspondem aos períodos de sonhos, mas reduz os estágios não REM. Essas fases são justamente as que restauram as atividades nos neurônios

INDICAÇÕES
Tratamento de vários transtornos mentais, como síndrome do pânico, distúrbio bipolar, depressão (usado como coadjuvante de antidepressivos). O remédio não é recomendado para aliviar tensões do cotidiano.

EFEITOS COLATERAIS
Sonolência, movimentos anormais dos olhos, movimentos involuntários dos membros, fraqueza muscular, fala mal articulada, tremor, vertigem, perda de equilíbrio, dificuldades no processo de aprendizagem e de memorização.

DEPENDÊNCIA
O tempo varia de pessoa para pessoa. Pode acontecer em um mês ou em um ano. Pacientes que tomam clonazepam não podem consumir álcool.

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Transição de governo e reforma psiquiátrica: nós, militantes antimanicomiais, precisamos acompanhar isso com muita atenção!

Gostaria de convidar a todos os companheiros que militam no campo antimanicomial e pela continuidade do processo de reforma psiquiátrica no Brasil, para acompanharem com atenção o processo de transição que está ocorrendo no novo governo Dilma, particulamente na montagem da nova gestão no Ministério da Saúde.

Como militante histórico destes movimentos, e mais recentemente, como um dos dois relatores da IV Conferência Nacional de Saúde Mental – Intersetorial (IV CNSM-I), venho observando de perto e com cuidado os vários desafios e riscos políticos para nossas lutas. No ano passado, procurei sistematizar minha análise no pequeno livro “Desafios políticos da reforma psiquiátrica brasileira”, por mim organizado, e publicado pela Editora Hucitec, por ocasião da IV CNSM-I. Agora, continuo preocupado com o quadro que se descortina no novo governo, e gostaria de dividir estas preocupações com vocês, meus companheiros de luta.

É claro que temos que reconhecer que vários desafios e riscos maiores já foram superados, com muitos passos e conquistas importantes: a vitória sobre o candidato Serra pela coalisão liderada pelo PT, com Dilma Russsef, e após a vitória dela, os inúmeros nomes elencados como possíveis ministros da saúde que poderiam ser complicados para uma gestão política mais adequada do ministério, do SUS e da política de saúde mental. Não há dúvidas de que, em tese, a montagem do primeiro e segundo escalão do Ministério da Saúde nos deixou inicialmente mais tranqüilos. Entretanto, para mim, esta primeira impressão ainda não foi suficiente para afastar todos os riscos que temos nesta transição, e que merecem nosso acompanhamento cuidadoso. Gostaria de listar as minhas principais fontes de preocupação:



1) A plena ocupação do primeiro e segundo escalão do Ministério da Saúde por lideranças reconhecidas do movimento sanitário e do PT, em troca de uma gestão que era da “quota do PMDB” e com vários de seus representantes em cargos importantes do ministério, pode potencialmente ter um “efeito bumerangue” indesejável sobre a política de saúde mental e de reforma psiquiátrica.

Explicando: o fervor de uma plena ocupação do Ministério da Saúde e de estabelecer uma gestão que não seja uma continuidade da anterior pode, em tese, e em associação com os desafios e processos listados abaixo, levar a uma identificação da política de saúde mental levada até então com a gestão anterior, particularmente na Secretaria de Atenção à Saúde (SAS). Isso pode induzir a anseios de uma direção política completamente nova no campo, de cima para baixo, sem apreender as especificidades de cada área, gerando incertezas, particularmente tendo em vista a atuação de várias outras forças políticas contrárias à política de saúde mental até então.

Cabe a nós, do movimento antimanicomial e de reforma psiquiátrica, mostrar que a Coordenação e a política de Saúde Mental, embora fosse institucionalmente subordinada à gestão anterior da SAS e do ministério, vem sendo pautada principalmente por um movimento social popular vivo e muito ativo, e por políticas emanadas por 4 conferências nacionais de peso.

2) O tema da política de enfrentamento ao crack continua “quente” e pautado por anseios de medidas mais contundentes, estigmatizadoras e autoritárias, e vem contaminando a avaliação mais geral da política de saúde mental efetivada nos últimos anos, como se tivesse sido frágil e débil.

Para quem é informado apenas pela mídia comum, ficou a sensação de que após a forte cobertura do tema do crack realizada até meados do ano passado, a nova política nacional de álcool e outras drogas emanada pelo Ministério da Saúde e SENAD foram suficientes para dar uma resposta suficiente às inúmeras forças políticas que se organizaram em torno de tema, dado que ele não teve mais tanta visibilidade nos principais meios de comunicação. No entanto, o impacto político do assunto dentro no governo Lula foi pouco divulgado, e há fortes indícios de que estas forças, que incluem amplas frentes parlamentares e vários setores da gestão federal, particularmente das áreas de segurança e justiça, não ficaram satisfeitas. Além disso, a vitória inicial na ocupação militar do Complexo do Alemão estimula os anseios para medidas cirúrgicas e de caráter policial. Os indícios que temos é de que o novo governo é muito sensível a estes temas de forte repercussão popular e na mídia, o que pode gerar demandas de respostas pretensamente mais eficazes e mais imediatistas no combate ao crack. Por outro lado, estes anseios incidem sobre a avaliação do conjunto da política e da gestão no campo da saúde mental, como se tivesse sido débil, frágil, e incapaz de responder aos “anseios mais urgentes da sociedade brasileira”.

Como testemunha privilegiada, inclusive pela participação intensa em Brasília na organização da IV CNSA-I e posteriormente na construção de seu relatório final, a avaliação que faço da gestão de nossa política de saúde mental nos últimos anos, e particularmente em 2010, vai na direção contrária. Sugiro aos companheiros dar uma olhada na Mensagem Circular n.o 62, de 30/12/2010 (colocado como anexo logo abaixo), que lista as novas iniciativas do novo programa de álcool e drogas, para ter uma idéia do vasto campo de respostas que está se implementando. Além disto, sugiro também passar o olho no Boletim Saúde Mental n.o 30 (anexo a este e-mail), recentemente divulgado pelo Ministério, que faz um balanço de toda a política nacional de saúde mental em 2010. Este ano foi duríssimo para todos os envolvidos, no sentido de garantir a organização da IV CNSM-I, em condições bastante desfavoráveis, e ao mesmo tempo não só gerar a nova política de álcool e outras drogas, como também manter a expansão dos serviços substitutivos de saúde mental.

Assim, caberá ao movimento antimanicomial e de reforma psiquiátrica neste momento dar visibilidade e defender este patrimônio, que é de todos nós, como realizações importantes de uma política adequada para o campo e que deverá ter continuidade, apesar de todas as limitações colocadas pela conjuntura econômica e social mais ampla.

Embora esteja consciente de que o movimento antimanicomial esteja dividido, inclusive em relação a esta avaliação da gestão até então, não tenho dúvidas de hoje temos adversários maiores, e que precisamos neste momento saber identificá-los para garantir a continuidade de nossa luta mais ampla e estratégica.

Além disso, cabe a nós cerrar fileiras em torno de uma política de álcool e outras drogas coerente com nossos princípios antimanicomiais, contrária a programas e medidas autoritárias, imediatistas e que priorizam a internação de longo prazo de usuários de drogas, de forma desintegrada com uma rede de atenção psicossocial na comunidade, capaz de gerar novos caminhos de vida para eles.

3) Há resistências dentro do próprio movimento sanitário mais amplo em relação à organização própria da saúde mental dentro do campo mais amplo da saúde, como fosse apenas uma especialidade ou fruto de anseios corporativistas da área.

É importante lembrar que o Conselho Nacional de Saúde já tinha decidido por uma posição contrária à realização de qualquer conferência específica dentro da saúde, e que a IV CNSM-I foi conquistada apenas após a Marcha dos Usuários em setembro de 2009. Assim, há resistências ao campo e à política de saúde mental levada até então, até mesmo entre nossos companheiros sanitaristas.

Para nós, do movimento antimanicomial, cabe demonstrar então aquilo que a IV CNSM-I deixou claro: o campo da saúde mental e da reforma psiquiátrica não se trata apenas de uma especialidade dentro da saúde em geral, mas de um campo que atravessa todo o campo da saúde e das políticas intersetoriais que se mobilizam junto conosco. Além disso, a saúde mental é protagonista e vanguarda de inúmeros movimentos e processos inovadores que inspiram todo este campo de políticas sociais: desinstitucionalização, interdisciplinaridade, integralidade, intersetorialidade, humanização, gestão participativa de serviços, empoderamento de usuários e familiares, acompanhamento da política de Estado por um movimento social ativo e crítico, etc.

4) As forças corporativistas e privativistas do campo médico e da psiquiatria biomédica sofreram apenas um pequeno revés temporário com a derrota de José Serra, e continuam ativas e com forte penetração no novo governo, inclusive em seus anseios de reverter a política de saúde mental levada até então.

Não tenho dúvidas de que as forças políticas mais conservadoras do campo médico continuam suas ações de lobby no novo governo. Dilma se encontrou com algumas de suas principais organizações. Por outro lado, a Associação Brasileira de Psiquiatria elegeu recentemente uma nova diretoria, ainda mais conservadora e contrária à política de reforma psiquiátrica. Assim, em um momento de transição, este tipo de pressão, se associado às demandas das demais forças e processos políticos identificados acima, pode ser capaz de provocar forte incerteza política quanto à continuidade da atual política de saúde mental.

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Assim, companheiros, para além das primeiras impressões, a conjuntura imediata exige muita atenção e um acompanhamento cuidadoso, de perto. Por favor, divulguem este texto, tomando-o apenas como um alerta, e façam comentários e críticas. O importante é convocar a todos para ficarmos atentos aos sinais que emanam do presente processo de transição no novo governo, para garantir a continuidade do processo de reforma psiquiátrica em nosso país.

Rio de Janeiro, 06/01/2010

Eduardo Mourão Vasconcelos
Psicólogo, cientista político, e professor da UFRJ.

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